A MP 1116/22, publicada no Diário Oficial da União em 04 de maio de 2022, promove diversas alterações na Lei da Aprendizagem, legislação que rege o Aprendiz Coopeeb. O Aprendiz Coopeeb entende que várias das alterações poderão prejudicar os jovens contemplados pelo programa. Por conta disso, compartilhamos abaixo uma nota escrita pelo Coordenador do Aprendiz Coopeeb, Rodrigo Auler da Rocha.
Na página do Senado, há uma consulta pública para que a sociedade opine sobre a MP. Estimulamos que toda a comunidade de aprendizes se posicione: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=152939.
Confira na íntegra a nota do Aprendiz Coopeeb:
De início, quero ressaltar que a MP não é de todo ruim. Ela versa, inicialmente, sobre direitos às mulheres, são 6 capítulos tratando disso, com alterações que me parecem positivas. Apenas 1 capítulo trata do Jovem Aprendiz. Diante disso, e do fato de que a aprendizagem sequer é citada no preâmbulo da MP (falam apenas, de uma forma genérica, em “altera a Consolidação das Leis do Trabalho”), tenho a nítida impressão de que a intenção do governo era tentar que o tema, objeto de profundo debate desde 2019, passasse batido, à sombra dos capítulos dedicados ao Emprega + Mulher e Jovens. O que não pode ser negado é que este único capítulo sobre aprendizagem tem o condão de implodir aquilo que é a essência do programa: dar a oportunidade do primeiro contato com o mercado de trabalho às pessoas que mais necessitam, e a formação técnico-profissional metódica para tal.
O capítulo VII é intitulado como incentivo à contratação de adolescentes e jovens por meio da aprendizagem profissional” A despeito do título, o que se vê no conteúdo dos artigos é o oposto, um favorecimento às empresas cotizadoras em detrimento dos jovens. Para ilustrar isso, vou tratar dos artigos mais temerários.
1. Art 26, incisos II, IV e V
Os incisos destacados isentam de autuação as empresas não-cumpridoras da cota mínima que aderirem ao programa durante período determinado, além de suspender eventuais processos administrativos de imposição de multa e reduzir em 50% as multas decorrentes de infrações anteriores à adesão ao programa.
Mesmo que tais benefícios sejam de caráter provisório e o período de isenção dure o tempo que a empresa precisar para se adequar, não se pode dizer que tal medida vai estimular a contratação de jovens, num país conhecido pelos “jeitinhos”. A matéria deve ser complementada por ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência, mas não há qualquer garantia de que este ato será positivo para todas as partes envolvidas (é improvável, haja vista a própria MP já não o ser). Na prática, se está dizendo que ao aderir ao programa a empresa determinará um prazo para se adequar, e nesse prazo estará protegida de qualquer penalidade por descumprimento da cota. A tendência é que as empresas se utilizem desses benefícios à exaustão, podendo ficar até dois anos (Art. 27, §8º) sem cumprir integralmente a cota de aprendizagem e totalmente impunes. A MP retira a única ferramenta de coerção que realmente funciona na exigência do cumprimento legal: o peso no bolso das empresas.
2. Art. 28
O referido artigo altera diversos dispositivos da CLT. O art 428 da CLT traria mudanças no tocante à duração dos contratos de aprendizagem. Eles passariam a ter um limite de 3 anos, podendo ir a 4 anos em alguns casos (hoje, o limite é de dois anos). Esses 3 anos também podem ser prorrogados até quatro anos, sob a hipótese de continuidade de itinerário formativo, a qual pode se dar pelo reconhecimento de cursos de educação profissional e tecnológica de graduação, contando como parte teórica para o curso de aprendizagem. Ele, ainda, autoriza a troca da entidade formadora e do curso de aprendizagem em si, no decorrer do contrato. Na prática, as entidades de formação técnico-metódica (como é o caso de nossas cooperativas educacionais) poderiam ser alijadas do processo de formação, uma vez que qualquer outro curso técnico ou superior supriria a parte teórica do programa de aprendizagem. Novamente, tem-se a figura oposta às premissas da MP: contratos com o dobro de duração equivalem a menos jovens contratados no médio e longo prazo. Uma empresa cuja cota seja 20 jovens, sob a regra anterior, no prazo de 4 anos daria oportunidade a 40 jovens (20 a cada 2 anos); sob a luz da MP, no mesmo período, apenas 20 terão oportunidade.
As alterações promovidas no art 429 da CLT conseguem ir do céu ao inferno. A nova redação do §4º é positiva, e pode estimular a efetivação dos jovens formados nas empresas, na medida em que esses novos contratos de trabalho não fariam aumentar a cota mínima delas pelo prazo de 12 meses. No entanto, é preciso ressaltar, ainda que isso possa estimular a efetivação de jovens, ela também contribui para a diminuição da contratação de novos aprendizes. Na pior das hipóteses, uma empresa pode ficar até 5 anos sem oportunizar vagas de aprendizagem, dependendo das circunstâncias, pois contratará o aprendiz por 4 anos (em alguns casos), efetivará o mesmo e este continuará contando para o cumprimento da cota por mais 1 ano: um CLTista, formado, efetivo, contando como se fosse jovem aprendiz…
Por outro lado, a nova redação do §5º é um insulto à inteligência de quem lê. Ele permite que o contrato de um aprendiz, oriundo de situações de vulnerabilidade, conte como se fossem 2 aprendizes para cumprimento de cota. Na prática, se uma empresa tiver a cota mínima de 10 aprendizes, ela pode contratar apenas 5 se estes forem alegadamente oriundos de situação de vulnerabilidade que estaria com sua cota cumprida. Agora, como um projeto que pretende ampliar o espaço de jovens aprendizes apresenta uma alteração como esta, e ainda é levado a sério, é um mistério para mim. Nas palavras do deputado Marco Bertaiolli (PSD):
Quanto ao mérito, preocupa-nos que, embora a Medida Provisória alegue incentivar a contratação de aprendizes, ela contém diversas regras que resultarão em significativa diminuição no número de cotas, a exemplo da ampliação dos prazos contratuais (CLT, art.428, § 3º) e da idade máxima para determinadas atividades (art. 428, §5º), da contabilização do aprendiz contratado por prazo indeterminado (art. 429, § 4º) e do cômputo em dobro de adolescentes e jovens que se enquadrem em hipóteses específicas (art. 429, § 5º), regra esta que tem nítido conteúdo discriminatório e, portanto, inconstitucional.
As alterações propostas para o art 430 da CLT, basicamente, autorizam qualquer entidade de educação com curso técnico (novo ensino médio) ou graduação a ministrarem a parte teórica do curso de aprendizagem. Essa alteração tem o potencial de desvirtuar o aspecto de formação técnico-profissional metódica inerente à aprendizagem.
Por fim, cabe menção à alteração proposta para o art 434, que amplia a jornada diária do aprendiz para 8 horas.
Diante do texto da MP e do que foi exposto, pode-se concluir que estamos diante de uma precarização do setor de aprendizagem. A medida em pauta, que alega pretender estimular a contratação de mais jovens aprendizes, em verdade, favorece apenas às empresas, as quais receberão uma série de benefícios a despeito de sua irregularidade perante a lei. O projeto é, basicamente, uma premiação às empresas descumpridoras da legislação. Isso, definitivamente, não é uma forma adequada de incentivo. Em verdade, o que deverá ser observável caso esta MP vire lei é uma diminuição na contratação de aprendizes e uma elitização do programa. Um candidato do ensino médio estará concorrendo às vagas contra candidatos de entidades de graduação, por exemplo. Quem vocês acham, nesse caso, que estará mais perto de conquistar a vaga? Isso sem contar que os jovens das entidades de graduação estão muito mais próximos das vagas ofertadas em caráter de estágio remunerado, ou seja, já é realidade, a eles, a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho, e o mesmo não pode ser dito dos jovens que não comungam dessa realidade. Uma empresa pode optar por manter a essência do programa e contratar aprendizes em situação de vulnerabilidade, mas aí só precisará de metade deles. Ou seja, de um jeito ou de outro, o jovem sai perdendo. Os programas de aprendizagem saem perdendo. As cooperativas educacionais saem perdendo. Ninguém que esteja gozando de seu perfeito juízo pode acreditar que essas medidas estimularão a contratação de aprendizes.
Então, precisamos unir nossos esforços e agir. Conclamar os interessados a se posicionarem contra esta medida provisória. Ela está em vigor e sob o poder da comissão mista, mas terá de passar pelo crivo das casas legislativas antes de se tornar lei ordinária. Vocês podem acompanhá-la pelo portal https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/152939 e recomendo que se cadastrem no E-Cidadania para que possam opinar sobre a matéria.
Embora o número de desaprovações seja esmagadora frente ao número de pessoas que apoiam a MP, é importante que atuemos para tornar essa reprovação ainda mais acachapante.
Texto escrito pelo Coordenador do Aprendiz Coopeeb, Rodrigo Auler da Rocha.